Partilha Nossa Página no Facebook Angola: Relembrando o processo dos 50 ~ Canal 82 | Agência de Notícias

quinta-feira, 30 de março de 2017

Angola: Relembrando o processo dos 50



O Processo dos 50 teve grande importância na luta de libertação nacional em Angola, pois “o envolvimento de pessoas pertencentes a vários estratos sociais também pesou muito a favor da consciencialização dos angolanos para a necessidade de lutarem pela independência”, afirmou em entrevista ao Jornal de Angola a historiadora Anabela Cunha.

A prisão, julgamento das pessoas envolvidas teve grande repercussão internacional, de onde os nacionalistas receberam apoio do exterior, acrescentou. “As prisões de 1959 não puseram fim às acções clandestinas; pelo contrário, continuaram e alastraram-se por outras partes de Angola e no estrangeiro”, afirmou. A professora universitária considera existir interesse dos estudantes, como os do curso de História do ISCED, em estudarem temas ligados à história política de Angola. Anabela Cunha é  doutoranda em Ciências Sociais na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto, mestre em História de África pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Licenciada em Ensino de História pelo ISCED de Luanda. É professora auxiliar no Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda.

Jornal de Angola - O que a levou a interessar-se pelo Processo dos 50?

Anabela Cunha - O interesse pelo Processo dos 50 surgiu em 2005 quando colaborava no Arquivo Histórico Nacional (ANA) e fazia a transcrição das entrevistas dos nacionalistas integrantes deste Processo. Em 2009, aquando das Comemorações do Quinquagésimo Aniversário do Processo dos 50, fui convidada pelo ANA a apresentar uma comunicação. Acedi ao convite e apresentei o texto: “«Processo dos 50» Memória da luta clandestina pela independência de Angola”, elaborado com base nas entrevistas feitas a alguns dos integrantes do Processo dos 50, nomeadamente, Agostinho Mendes de Carvalho, João Fialho da Costa, João Lopes Teixeira, José Manuel Lisboa, José Diogo Ventura e Manuel Baptista de Sousa. Este texto visa essencialmente analisar o Processo dos 50, enquanto acontecimento histórico, à luz das entrevistas dadas pelos seus integrantes.

Jornal de Angola - Depois de tudo o que já se publicou a respeito, o Processo dos 50 é ainda um tema a investigar? O que tem encontrado de novo nas suas pesquisas?

Anabela Cunha - Penso que sim. Ainda há muito a se investigar a respeito do Processo dos 50. Trata-se de um tema importante da História de Angola por estar relacionado com o processo de emancipação, a luta empreendida pela liberdade do povo angolano. Todas as publicações resultantes de estudos a respeito são, a meu ver, válidas para enriquecer o que já existe.
Ao longo das minhas pesquisas tenho encontrado informações novas que me têm proporcionado uma nova visão a respeito do que foi o Processo dos 50. Igualmente têm surgido novas questões que requerem a busca de (novas) respostas.

Jornal de Angola - O que se pode dizer do facto de que, sendo um processo político, que não envolvia a violência armada, este processo ter decorrido no Tribunal Militar de Luanda?

Anabela Cunha - É preciso nos reportarmos ao contexto da época em que todo e qualquer acto que contrariasse o regime instaurado era duramente repelido. Estamos a falar da década de 1950 em que se dá o aumento da contestação ao regime colonial em Angola, quando surgem vários movimentos de libertação. À medida que foi aumentando a contestação ao regime colonial também aumentaram as acções de repressão por parte da PIDE/DGS. Portanto, o facto de ter sido uma acção de contestação que não envolveu violência, o mesmo punha em risco todo um conjunto de interesses coloniais e foi julgado como um crime de foro militar, sendo que os integrantes foram tratados como criminosos altamente perigosos.
O julgamento decorreu num ambiente secreto, tal como as prisões, para não chamar a atenção da população e, certamente, para não alarmar outros nacionalistas engajados na luta pela independência. Havia receio por parte das autoridades coloniais que viesse a público que um grupo de nacionalistas tinha sido preso, julgado e condenado, por reivindicar a independência de Angola. Recordo que nessa época vários países africanos já estavam independentes e havia grande pressão política em África para que todas as colónias ascendessem à independência, mas o regime colonial tentava passar a ideia de que em Angola estava tudo bem. 

Jornal de Angola - O que esteve de facto em julgamento no Processo dos 50? Tratou-se de um ou de três processos?

Anabela Cunha - Antes de responder às perguntas, é pertinente explicar que Processo dos 50 é o nome por que ficou conhecida a prisão e o julgamento de um grupo de nacionalistas negros, mestiços e brancos, africanos e europeus que, insatisfeitos com a situação que se vivia na época, decidiram empreender todo um conjunto de acções clandestinas que conduzissem à independência de Angola. O Processo dos 50 terá sido o primeiro julgamento por questões políticas na Angola colonial. A lista publicada continha 56 integrantes deste processo, dentre os quais constava uma mulher, Maria Julieta Gandra, acusada de apoiar as reivindicações dos patriotas. 
Respondendo às perguntas, em julgamento estiveram as acções clandestinas levadas a cabo por nacionalistas que pretendiam despertar a consciência dos angolanos, difundir os ideais de libertação e denunciar as atrocidades perpetradas pelo regime colonial. Estas acções levadas a cabo pelos nacionalistas foram consideradas subversivas, o que esteve na causa das prisões e condenação. O facto dos integrantes pertencerem a grupos e movimentos de libertação era já considerado crime.
Quanto ao julgamento dos nacionalistas, foi tripartido, ou seja; os réus foram divididos em três listas. Cada uma destas listas constituiu um processo. Os nacionalistas, embora estivessem envolvidos na luta por uma mesma causa, foram divididos em três grupos no acto do julgamento, sendo que um era constituído por negros, outro por mestiços e outro por brancos. Tratou-se de um julgamento injusto, com as penas aplicadas baseadas em critérios duvidosos, com o fim único de calar a voz de quem clamava por liberdade.

Jornal de Angola - A que conclusões chegou sobre como a sociedade luandense e angolana, no geral, de então, reagiu e acompanhou o Processo dos 50?

Anabela Cunha - A sociedade angolana criticou as prisões, podemos assim dizer, em relação àqueles que se solidarizavam com a causa nacionalista. O receio de represálias por parte das autoridades coloniais não impediu as revoltas que se seguiram às prisões, ocorridas em diferentes lugares de Angola. Destas, podemos destacar o 4 de Fevereiro de 1961, que visava libertar os nacionalistas das cadeias.

Jornal de Angola - Havia uma divisão clara entre os nacionalistas-progressistas e os pró-colonialistas? Como ela mais se declarava?

Anabela Cunha - É difícil falar em divisão clara de quem era ou não a favor da causa nacionalista. O contexto que se vivia dava azo para uma certa margem de dúvidas. Havia pessoas que abertamente criticaram o regime colonial e se opunham ao mesmo, mas havias outras que, embora também fossem contra o regime colonial, não se manifestaram. O medo de represálias terá sido um dos principais motivos que impediu que alguns angolanos tivessem um posicionamento político claro na época. A clandestinidade era um meio em que se podia agir de acordo com o posicionamento político. Mas importa referir que tanto quem era contra como a favor do regime colonial utilizou esta via para desenvolver as suas acções.
Penso que muitas pessoas que lutaram contra o regime colonial na clandestinidade continuam anónimas, isto é, não são conhecidas. Deram o seu contributo à causa, digamos, de forma directa ou indirecta e assim mesmo não se fala a respeito deles. Daí que, retomando  uma das perguntas feitas anteriormente, é importante que estudos continuem a ser feitos de forma a dar cobro a possíveis lacunas e/ou aspectos pouco estudados sobre a luta de libertação de Angola, de um modo geral, e sobre o Processo dos 50, em particular.

Jornal de Angola - O envolvimento de figuras de alguma forma conhecidas no Processo teve efeito na mentalidade dos angolanos em relação ao colonialismo e à necessidade de autodeterminação?

Anabela Cunha - O envolvimento de pessoas conhecidas ajudou a causa nacionalista. Aliás, o envolvimento de pessoas pertencentes a vários estratos sociais também pesou muito a favor da consciencialização dos angolanos para a necessidade de lutarem pela independência. Entre os patriotas encontram-se artistas, enfermeiros, pastores, padres, professores, entre outros, que, devido à função que exerciam, tinham possibilidades de disseminar junto do povo os ideais independentistas.

Jornal de Angola - Falar do Processo dos 50 é falar de clandestinidade levada ao extremo pelos nacionalistas para evitar denúncias e delações ao poder colonial. Fale-nos dessa forma de luta.

Anabela Cunha - Na clandestinidade, os patriotas arranjaram formas de se organizarem e uma delas foi a divisão em grupos que se subdividiam em células compostas por três ou quatro elementos. Entre os grupos podemos citar, por exemplo, o Bota Fogo, o Espalha Brasa, constituído por enfermeiros e o Exército de Libertação de Angola (ELA), também conhecido como o “grupo dos mais velhos”. É importante frisar que integravam o ELA António Pedro Benge, Fernando Pascoal da Costa, Sebastião Gaspar Domingos, Joaquim de Figueiredo, entre outros. Havia uma ligação entre os grupos que por trás de actividades recreativas e desportivas realizavam acções políticas. Por precaução, evitava-se difundir quem integrava cada célula que tinha uma única pessoa responsável por se comunicar com um dos integrantes de outra célula, para fazer circular a informação, muitas vezes obtida devido a contactos com outros africanos no exterior. O ELA servia-se da influência nas igrejas Católica e Metodista e por intermédio de missionários metodistas faziam circular documentos para fora de Angola, retratando a situação que se vivia.
 A forma como os nacionalistas se organizaram na clandestinidade, por um lado, dificultava a acção da polícia política, mas por outro, também facilitava a infiltração de informadores no seio dos grupos, fazendo-se passar por patriotas. Estes informadores infiltrados pela PIDE no seio dos grupos e movimentos de libertação denunciavam as suas acções e os delatavam. Foi por causa de um elemento infiltrado que os integrantes do ELA foram presos e que os documentos que seriam enviados para o Congo foram interceptados pela PIDE no aeroporto, na posse de José Manuel Lisboa.
Segundo os integrantes do Processo dos 50, até hoje é difícil identificar quem de facto eram os informadores da PIDE. É preciso ressaltar que a PIDE utilizou a tortura física e psicológica para arrancar dos patriotas confissões e informações que podiam, certamente, comprometer outros patriotas. Houve mesmo patriotas que ficaram com sequelas e outros que perderam a vida por causa da tortura a que foram submetidos, como é o caso de Neves Bendinha. Uma coisa é certa, as denúncias feitas pelos informadores da PIDE infiltrados nos grupos, contribuíram para enfraquecer a luta e para agudizar o clima de desconfiança que existia entre os patriotas. Diante das perseguições da PIDE, a luta clandestina era um meio viável para se difundir a causa e quando esta começou a ser atacada também a partir de dentro, ficavam, digamos assim, frustradas as acções em prol da tão almejada independência.
Jornal de Angola - Essa situação trouxe alguma dificuldade em matéria de defesa? Como caracteriza o comportamento e a actuação dos advogados de defesa neste processo?
Jornal de Angola - Posso considerar o comportamento e a actuação dos advogados de defesa como tendo sido viável. Alguns advogados tentaram fazer com que os patriotas não fossem julgados pelo Tribunal Militar, mas sim pelo Tribunal Civil, todavia sem efeito. Talvez numa tentativa de diminuir as penas, houve advogados que traçaram uma linha de defesa que não agradou aos patriotas. Por exemplo, João Lopes Teixeira foi um dos que se mostrou descontente com a linha de defesa do seu advogado que o orientou a pedir desculpas no Tribunal e evitar entrar em choque… De facto, era uma linha de defesa viável, diante da situação e contexto que se vivia, mas também é preciso entender o descontentamento dos réus face a esta orientação do próprio advogado. Pedir desculpas significava a negação dos ideais pelos quais vinham lutando. Diante deste facto ir para a prisão era um problema menor.
Houve de facto um clima de tensão e de desentendimento entre alguns réus e seus advogados de defesa. Isto fez com que alguns patriotas dispensassem mesmo os serviços de seus advogados de defesa.

Jonal de Angola - O Processo dos 50 teve grande repercussão a nível internacional? Quais as mais importantes para si?

Anabela Cunha - As prisões de 1959 contribuíram para chamar a atenção sobre a situação que Angola vivia na época. Contribuiu para o aumento da insatisfação em relação ao regime colonial. Contribuiu também para o aumento da desconfiança entre os angolanos e não só. A onda de prisões iniciada em Março de 1959 tirou de circulação alguns dos patriotas mais activos no processo de contestação anti-colonial, mas a luta continuou com novos métodos, nomeadamente acções militares. O 4 de Fevereiro é resultado desta nova forma que luta pela independência. Grupos de patriotas insatisfeitos com a prisão de nacionalistas pegaram em armas e atacaram instituições que simbolizavam o poder colonial.
O Processo dos 50 teve grande repercussão a nível internacional, sendo que apoios aos nacionalistas se fizeram sentir a partir de fora. A dimensão que tomou as prisões veio captar a atenção da comunidade internacional para a situação que Angola atravessava. O 4 de Fevereiro e as outras revoltas vieram traduzir o que se passava, o que os angolanos sentiam face ao regime colonial opressor. Portanto, as prisões de 1959 não puseram fim às acções clandestinas; pelo contrário, continuaram e alastraram-se por outras partes de Angola e no estrangeiro.        

Jornal de Angola - Como acha que tem sido tratado este processo em termos de pesquisa e divulgação nos dias de hoje?

Anabela Cunha - Penso que ainda há muito que dizer, investigar e analisar acerca do Processo dos 50. Há a necessidade de se recolher os depoimentos daqueles que de facto têm algo para dizer a respeito. Há a necessidade de se estudar mais este acontecimento histórico que penso ser importante para a construção de um dos capítulos da História de Angola. Quanto à divulgação deve ser feita de forma consciente, ressaltando a sua importância, impacto e o papel desempenhado pelos nacionalistas na época.

Jornal de Angola - O tema desperta algum interesse na juventude actual? Qual tem sido o interesse manifestado pelos alunos?

Anabela Cunha - Os jovens de hoje estão mais politizados em relação aos jovens de há duas ou três décadas, mas demonstram certo desconhecimento em relação ao passado histórico/político de Angola e não só. Os estudantes do curso de História do ISCED têm mostrado algum interesse no tema, pois têm certamente consciência que o Processo dos 50 é resultado da maturação de ideias que provinham de décadas anteriores. Estas ideias foram postas em prática pelos patriotas envolvidos neste processo e por outros que, apesar de não terem sido presos, também desempenharam, mais tarde, um importante papel na luta armada de libertação iniciada a 4 de Fevereiro de 1961. Portanto, há um interesse em se estudar temas ligados à história política de Angola por parte dos estudantes, que posso considerar maior em relação à história social e à história económica de Angola, por exemplo, que são igualmente importantes.

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