ADAPTAÇÃO: AUGUSTO CAMPOS | LUANDA: A pergunta está na boca de quem olha para a escalada de violência sem
que se desenhe uma solução clara: é preciso que a Ucrânia se parta, com
o Leste simpatizante dos russos para um lado, e o Ocidente, onde a
maioria das pessoas fala ucraniano, para outro? A resposta, como tudo na
Ucrânia, depende também do factor russo. Os alicerces de um país que só se tornou
independente após a queda da União Soviética estão a ser postos em causa
pelos protestos contra o regime de Viktor Ianukovich. A Ucrânia combina
territórios que foram do Império Austro-Húngaro, no Ocidente, com zonas
onde a maioria das pessoas falam russo, no Sul e no Leste.
As
tensões étnicas reflectem-se na política: há uma coincidência quase
perfeita entre as zonas onde são maioritários os falantes de russo e os
resultados das últimas presidenciais, ganhas por Viktor Ianukovich.
Reflectem-se também na onda de violência: no Sul e no Leste, há relatos
de que tituski, milícias privadas que apoiam a polícia, estão a
colaborar na repressão dos protestos. Nas províncias do Leste, que
faziam parte da República Socialista Soviética antes da II Guerra –
antes do resto de o território ter sido anexado pelo Exército Vermelho –
Ianukovich, um filho da região, é menos impopular do que no resto do
país.
A especulação sobre as tensões foi reforçada com notícias de
que Vladislav Surkov, um conselheiro do Kremlin que lidou com as
regiões separatistas da Geórgia Abkházia e Ossétia do Sul foi visto em
Kiev e na Crimeia, diz a revista The Economist. E o presidente
do parlamento da Crimeia sugeriu que a região poderia separar-se do
resto do país. Ali está estacionada a frota russa do mar Negro e dois
terços dos habitantes são russos étnicos.
Em Moscovo, traçam-se cenários de contingência prevendo a divisão do país, relata o jornal Christian Science Monitor.
Andrei IlIarionov, um ex-conselheiro económico do Presidente Vladimir
Putin, enumerou as opções possíveis no seu blogue – e a fractura da
Ucrânia não é, de todo, algo que assuste os russos.
O cenário
preferido de Moscovo, e que tentou forçar até agora, é a imposição de um
governo autoritário em Kiev, do género do de Vladimir Putin e
dependente em termos económicos e políticos da Rússia. Uma guerra civil
poderia levar à divisão permanente da Ucrânia, com a parte pró-ocidental
a juntar-se à União Europeia, e a mais russificada a permanecer na
órbita de Moscovo. Esta opção também é aceitável para o Kremlin, sugere
Illarionov. Finalmente, se a oposição sair a ganhar do actual confronto,
então a Rússia poderia usar a carta de uma Crimeia separatista para
gerar instabilidade na Ucrânia.
O que será certo, defende o historiador Timothy Snyder, professor em Yale (Estados Unidos) e autor do livro Terra Sangrenta – A Europa entre Hitler e Estaline
(Bertrand) em vários artigos publicados esta semana, é que Moscovo não
está disposta a tolerar uma democracia em Kiev. É que a Ucrânia é
fundamental para realizar a sua pretendida união euroasiática com
ex-repúblicas da antiga URSS. Esse bloco económico e político “tem de
ser constituído apenas por ditaduras, dado que qualquer sociedade livre
que a integrasse desafiaria a governação russa. Por isso, Moscovo tem de
ter na Ucrânia um vizinho autoritário e fácil de manipular”.