As relações entre Portugal e Angola sempre foram tensas e assim vão continuar. Será incompreensível para Angola que a Justiça ou os media portugueses funcionem independentemente de Belém ou de São Bento.
Já era de prever que as relações bilaterais entre Portugal e Angola se voltassem a crispar com a acusação formulada contra o vice-presidente angolano. O Ministério Público português acusou Manuel Vicente, à altura ex-presidente da Sonangol, dos crimes de corrupção activa, branqueamento de capitais e falsificação de documento. No âmbito do mesmo processo, o procurador português Orlando Figueira foi preso por suspeita de corrupção passiva e branqueamento de capitais, ao arquivar dois processos nos quais eram investigados crimes de branqueamento atribuídos a Manuel Vicente. Como habitualmente, há sempre mais dramatismo do que sensatez numa desavença familiar.
As reacções oscilaram entre a existência de um “plano diabólico” português, como se escreveu na imprensa de Luanda, para “interferir em massa nas eleições deste ano”, com se aquelas eleições não tivessem, à partida, um desfecho previsível, e a convivência malsã entre os media e a Justiça, numa conjura destinada a manipular a opinião pública sem respeitar a presunção de inocência de Manuel Vicente.
As relações entre Portugal e Angola sempre foram tensas e assim vão continuar. Será incompreensível para Angola que a Justiça ou os media portugueses funcionem independentemente de Belém ou de São Bento, por muito que os responsáveis políticos portugueses recordem, como fez ontem mesmo António Costa, “o princípio da separação de poderes” e que as autoridades judiciais actuem com “total independência” face ao executivo.
Portugal utilizará sempre o necessário jargão diplomático para estabilizar as relações bilaterais e Angola considerará “inamistosa e despropositada” qualquer referência mais crítica ao país, seja sobre Manuel Vicente ou Luaty Beirão, que ontem acusou as autoridades angolanas de agressão. Como dizia ainda este mês o ministro dos Negócios Estrangeiros, Santos Silva, as relações entre os dois países são “muito ricas e muito densas”, um eufemismo diplomático para classificar os desentendimentos cíclicos entre os dois regimes. E Luanda responderá sempre com o que tiver à mão: suspensão de “parcerias estratégicas”, imposição de condições mais burocráticas de obtenção de vistos de permanência no país ou cancelamento de viagens ministeriais. Lá no fundo, como dizia a ministra da Justiça, Francisca Van Dunnen, no mês passado, “as relações entre Portugal e Angola são irremediáveis”.
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