O acesso às escolas do II ciclo do ensino secundário e institutos médios continua a registar cobranças ilegais. São esquemas montados que envolvem direcções de escolas e funcionários. Encarregados de educação dizem que, este ano, os valores rondam de 70 mil a 400 mil kwanzas.
Várias ilhas formadas. Vários murmúrios. Uma dezena de pessoas com processos nas mãos está em volta da porta que dá para a administração da escola. A papelaria tem à venda uma capa de processo interno que retira a gratuidade da fase de inscrição. A sua aquisição é obrigatória e custa 300 kwanzas.
Os agentes de polícia da Brigada Escolar encontram-se entre o pátio e a rua. Afinal o processo regista interrupção. A papelaria está aberta, apenas para fazer fotocópias de documentos dos candidatos que paguem. Deixou de reproduzir fichas de inscrição, por serem grátis.
Quer na entrada quer na sala de espera da secretaria-geral verifica-se um ambiente indizível. O olhar descrente dos pais denota o real sacrifício por que passam nestes dias. O corredor com um metro de largura regista uma fila de encarregados que só termina no gabinete do director pedagógico. Um jovem corpulento está em frente da porta: ninguém vai ao director pedagógico sem passar por ele.
A terceira porta à esquerda é da secretária pedagógica. Prateleiras e uma pilha de envelopes e papéis. Computador e uma mesa de escritório. Em menos de dois minutos, a funcionária retornou com notícias menos boas, após sair do gabinete do director pedagógico. “A direcção da escola não está. Ninguém da direção está para dar entrevista ao Jornal de Angola.”
O que fazem os encarregados naquela longa fila que entra e sai do gabinete do director pedagógico? A pergunta não tardou em ter uma resposta vinda de um encarregado: “O director está aí dentro. Vim deixar a documentação da minha filha.”
Mal deixámos a secretaria, em menos de cinco minutos, a direcção-geral viu-se pressionada pela reportagem do Jornal de Angola a orientar a Polícia para reorganizar a fila dos candidatos junto às escadas. Os professores retomaram o processo de inscrição no segundo andar.
“Senhor jornalista, só nos atenderam porque vos viram”, afirmou um jovem em surdina. A afirmação é confirmada por outro jovem que acabava de deixar o primeiro degrau com um sorriso maroto. “Eles foram informados da presença de jornalistas e correram todos para os seus lugares. Graças aos senhores, porque já estou aqui há duas horas e já não havia fichas”, diz um adolescente esguio de camisa de tecido africano.
Uma mãe corre desesperada para encontrar uma ficha de inscrição. Anda de um lado para o outro atordoada. A papelaria não quer fazer fotocópia desta ficha. As folhas de inscrição estão a ser comercializadas a quatro mil kwanzas por indivíduos estranhos. Um negócio que os candidatos e encarregados suspeitam ser um esquema dos responsáveis pela distribuição das fichas e sob o olhar impávido dos agentes da Polícia e da direcção do instituto.
Josefa António, 50 anos, retorna à janela da papelaria, salpicando algum suor pelas voltas, debaixo do sol. Tenta negociar um ficha com um funcionário da papelaria. Não daria em nada porque os funcionários sabiam da nossa presença ao lado. Uma rapariga de cabelo curto sussurrou para se dirigirem até fora para fazerem uma cópia da sua ficha que ainda não estava preenchida. A aflição de Josefa chegou ao fim, mas não sabe se os cem mil kwanzas vão chegar para ter o filho na escola. “Falei com alguém, disse-me para arranjar 400 mil kwanzas”, explica, olhando para os lados para não ser ouvida.
De costas para a papelaria, a adolescente Ana tem nas mãos vários documentos encerrados na capa de processo. Afastou-se da multidão para estar debaixo da sombra de uma árvore miúda. Olha para o céu como seu talismã da sorte. Num tom humilde, Ana está ciente de que também pode o seu nome ficar de fora. “A minha mãe está a preparar 300 mil kwanzas para conseguir uma vaga”.
Quem cobra este dinheiro pelas vagas? Um professor diz que as direcções das escolas formam grupos que se responsabilizam por este negócio. No final, cada indivíduo envolvido recebe uma quantia ou uma vaga.
Sorte por uma vaga
Adolescentes juntam-se no passeio fora do instituto para falar da vontade de estudar que pode ser adiada por desejos desmedidos. A conversa é toda à volta da escola. Uma adolescente diz que fez inscrição em três institutos e está a depender da sorte, porque os pais andam desprovidos de dinheiro para garantir uma vaga. Outra rapariga sai do interior da escola com um suspiro sarcástico. “Finalmente consegui”, fala com altivez. Sem pejo, assegura à reportagem: “Os meus país já prepararam 300 mil kwanzas para pagar a um doutor (...) que dá aulas aqui”.
As inscrições decorrem, mas as fichas voltaram a desaparecer. Mais encarregados e jovens procuram por uma ficha de inscrição. Dona Filomena anda a passos largos com a filha ao lado. Finalmente consegue uma ficha de inscrição no valor de dois mil kwanzas. “Comprei lá fora num jovem”, diz, arquejando o peito em sinal de cansaço.
É para lá que seguimos. O jovem apercebeu-se da nossa chegada e evaporou-se por entre os edifícios.
A inscrição está feita, mas Dona Filomena está firme no portão para tentar garantir uma vaga a troco de dinheiro. “Estou a pedir aí dentro para me venderem uma vaga.” A encarregada diz que tem guardados 400 mil kwanzas, por ser o valor que está a ser cobrado naquele instituto.
Enquanto permanecemos no interior da escola, a reportagem do Jornal de Angola foi seguida minuciosamente por funcionários. Foi interceptada por duas vezes, para saber se tínhamos autorização para entrevistar e fazer fotografias. A presença de jornalistas transformou-se num espectro do medo.
Faltam salas de aulas
Debaixo de um alpendre, três professores recebem a documentação dos alunos que se inscrevem pela primeira vez. Não há registo de enchentes, apenas plantas à volta dos assentos de bloco de betão, que ajudam a anuir o verde da escola. Uns dez alunos preenchem com esmero os espaços vazios. A ficha de inscrição é grátis, sem escassez.
Se em alguns institutos os professores têm vagas para comercializar aos pacatos cidadãos, na escola do II ciclo do ensino secundário 2026, município de Belas, este desiderato não existe. “As vagas são abertas ao público e não para distribuir aos professores”, defende Branca Major, directora da escola.
Há fraca presença de pais. Com uma lapiseira na mão, Manuel Francisco verga-se todo para preencher o formulário. O assento serve também de encosto. Manuel é o único encarregado de educação no momento. Atentamente relê o formulário da sobrinha Inês Londa, 25 anos, que pretende estudar ciências humanas, à noite.
Escreve, pára. Escreve, pára. Mas não se aborrece por isso. Manuel é o mais adulto, por isso o mais solicitado pelos jovens em caso de dúvida. “Ela tem boas notas no certificado e tenho fé que vai entrar”, antevê.
A directora corrobora que as notas por si só não definem o melhor aluno, mas a orientação do Ministério da Educação são as notas e as idades.
Apenas as escolas de formação de professores testam os candidatos antes da admissão.
O encarregado de educação Manuel Francisco sublinha que, quando não se faz teste, retira-se a possibilidade de pedir uma revisão da prova ou questionar a direcção. “Há pais que,neste período, corrompem os professores para os seus filhos terem notas altas no certificado, com intuito de ingressarem com mais facilidade no ensino médio, mesmo apresentando debilidades. A questão das notas é muito subjectiva.” A Lei de Bases do sistema de ensino não faz referência às notas como critério de entrada.
A directora Branca Major acrescenta que o período de selecção é o mais difícil e, na qualidade de mãe, “tem sido doloroso saber que algumas crianças vão ficar fora da escola por falta de salas de aulas”.
“Entre o Kalemba II e Utanga, esta é a única escola do II ciclo do ensino secundário. O bairro cresceu e faltam salas de aulas”, explica.
Até ao dia 11, estavam inscritos 460 alunos para 200 vagas nos três turnos. O número ainda era inferior em relação aos candidatos dos anos passados, que já atingiram 1.500. Branca Major presume que esta baixa de candidatos se deve ao atraso de algumas escolas em passarem os certificados de habilitações.
Inscrições antecipadas
Com calças de tecido espesso e camisa castanha, o guarda tem uma vista alargada à entrada principal. Fá-lo a partir do gradeamento. Levanta-se para atender as visitas. Quatro homens abandonam o corredor e dirigem-se à parte externa. A escola do II ciclo do ensino secundário do Cazenga, 3055, vulgo Puniv, está vazia. Por falta de um placar convencional, as informações são afixadas nas duas paredes da fachada principal. Lê-se: “As inscrições decorrem de 2 a 9 de Janeiro.” O processo de inscrição que estava programado para terminar no dia 13, encerrou quatro dias antes da data. Alguns candidatos ainda se deslocaram ao local durante toda a semana passada no afã de efectuarem a inscrição.
Para chegar ao interior da escola passa-se por dois portões. Isabel entrou sem interrupções no primeiro. No segundo, ficou trémula com a informação prontamente avançada pelo segurança: “As inscrições já fecharam”. Enquanto a reportagem do Jornal de Angola aguardava ser anunciada, um encarregado aproximou-se para denunciar que pagou 70 mil kwanzas para poder garantir a vaga do seu filho. “Aqui, se não pagas, o filho não estuda, porque a direcção da escola criou uma comissão para fazer cobranças.”
A escola cobrou dois mil kwanzas de inscrição. “Encontrei aqui funcionários que chamavam os encarregados e candidatos aflitos para prepararem dinheiro se quisessem uma vaga”, acrescenta em surdina.
O homem de estrutura baixa e barriga desajustada pelo volume calou-se quando o guarda se aproximou. Logo que confirmou que as listas dos alunos seleccionados ainda não estavam afixadas, abanou a cabeça, limpando o rosto com um guardanapo de papel.
“O chefe pediu o vosso passe de identificação”, informou o guarda.
A uma distância de 30 metros, fitámos o director que, pela segunda vez, ordenou ao segurança para informar que não podia receber a equipa do Jornal de Angola, porque já estava de saída. Permanecemos mais dez minutos, mas o director da escola em nenhum momento abandonou o lugar.
Não há vagas
O silêncio na escola de formação de professores António Jacinto tem um motivo: não há inscrições para novos alunos. A escola precisa de mais salas de aulas, diz a directora Josefina Sambo, que recebeu a reportagem do Jornal de Angola no seu gabinete.
A escola precisa de 17 professores, para leccionarem as disciplinas de inglês, francês, matemática, física, geografia, história, química e educação física. Com 1.118 alunos, a escola funciona apenas no período diurno.
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