AUGUSTO CAMPOS | LUANDA, 22 Setembro 2015:
GENTILEZA / RA
Há mais uma instituição bancária no país: o Banco Yetu. Ligado umbilicalmente ao Kuando Kubango, por ser a terra natal do seu principal accionista, Elias Chimuco (Grupo Chicoil), foi apresentado ao mercado no dia 17 de Setembro, em Luanda.
Eduardo Severim de Morais, que foi ministro das Finanças entre Outubro de 2008 e Fevereiro de 2010, um período de grande instabilidade devido a uma quebra abrupta dos preços do petróleo, foi também o responsável pela negociação de um acordo stand-by com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Severim de Morais reaparece agora na vida pública do país como presidente do Conselho de Administração do Banco Yetu.
Em conversa com o Rede Angola, o gestor e professor universitário reconhece a fase atribulada que a economia nacional atravessa. Avisa que, muito provavelmente, estamos a assistir ao fim do período de reconstrução nacional. E que o desafio para o futuro está no alavancar do sector produtivo. Para que isso aconteça, o mais provável é passarmos por uma reestruturação da economia e também da própria banca.
Gostaria de começar por uma pergunta de cariz pessoal: deixou o cargo de ministro das Finanças em 2010. O que fez, na sua vida profissional, desde que saiu do Ministério das Finanças?
Fundamentalmente regressei à minha terra natal, que é o Lubango (Huíla). Tenho desenvolvido a actividade profissional na área académica. Sempre dei aulas em Luanda, com algumas interrupções pelo meio, nomeadamente quando assumi o Ministério das Finanças (era impossível conciliar), mas quando deixei o cargo de ministro achei por bem voltar à actividade docente. Acabei por abraçar um projecto interessante no Instituto Superior da Tundavala, uma entidade privada de ensino.
Aceitei o cargo de PCE porque encontrei ideias suficientemente inovadoras. Estou consciente que é um novo desafio. É evidente que o Banco Yetu, pelas suas características, montou uma estrutura de governação relativamente simples: somos apenas cinco administradores (três executivos e dois não-executivos). O facto do PCA ser não-executivo foi fundamental para aceitar o cargo. Por questões de tempo. Para além do desafio ser aliciante é verdade que a amizade também teve alguma influência. Achei por bem aceitar o convite.
Já percebemos que o empresário Elias Chimuco (Grupo Chicoil) é um dos investidores no Banco Yetu. Mas seria importante para o mercado conhecer a estrutura accionista, que ainda não foi anunciada.
O principal accionista é o Grupo Chicoil, que detém 70 por cento do capital. Mas a informação ainda não é oficial. Os restantes accionistas são accionistas individuais.
Uma das novidades sobre o posicionamento do Banco Yetu está relacionada com o facto da instituição se assumir como interessada no alargamento da banca electrónica. Será uma forma de relacionamento com os clientes ou também contam desenvolver aplicações e produtos bancários específicos para este segmento?
A ideia fundamental do Banco Yetu é não ser mais um banco de grande capilaridade. Não pretendemos abrir uma grande quantidade de agências, particularmente em Luanda. Luanda será sempre importante mas apenas na perspectiva dos clientes corporate e private banking, os clientes de grande poder económico, utilizando as melhores técnicas do internet banking. A ideia fundamental é não trazer o cliente ao banco mas levar o banco ao cliente. Há ainda uma série de constrangimentos mas, nascendo hoje, vamos trabalhar fundamentalmente para o futuro. Existem projectos como o satélite angolano, que irá aumentar a capacidade do país, há novas ligações de fibra óptica, há toda uma perspectiva que nos permite pensar que no futuro mais ou menos curto podemos ter melhores serviços de telecomunicações. E que, nesse caso, o internet banking será um canal privilegiado. Também temos uma forte ligação ao Kuando Kubango, neste caso com uma abordagem mais virada para o retalho e para outro segmento da população: apoiando a produção camponesa, a pesca fluvial… O Kuando Kubango é rico em rios e no futuro terá naturalmente de se desenvolver. O banco Yetu nasce num momento difícil mas com grande confiança no futuro. A fase de desenvolvimento de Angola tem de se iniciar porque a chamada fase de reconstrução nacional praticamente terminou. E queremos acompanhar este desenvolvimento.
De facto é importante olhar de forma diferente para a agricultura, as pescas, a pecuária. O Banco Yetu vai esperar pela apresentação de propostas de financiamento ou de parceria ou irá ter uma postura mais pró-activa, de busca de projectos viáveis e de novas soluções? Os bancos têm sido muito criticados por não terem sensibilidade, nem o mínimo conhecimento sobre o meio rural.
Claro que a nossa ideia é dar uma nova visão ao sistema bancário. Trazemos ideias novas. Não queremos ser mais um banco, queremos ser um banco diferente. O aspecto que refere deve ser a nossa espinha dorsal. O que está por trás de todos os estudos de mercado que tivemos acesso é que é preciso avançar para uma perspectiva de desenvolvimento do país. É importante ser mais pró-activo em relação ao sector produtivo. Devemos aproveitar (no sentido positivo da palavra) o novo dinamismo que o governo pretende implementar nos sectores não-petrolíferos. É preciso apostar no sector real da economia. E temos de transformar a nova palavra de ordem, que é “diversificar”, em acções concretas. Essas acções passam inevitavelmente pelo apoio ao sector primário: a pesca, a agro-pecuária, as minas… Devemos apoiar a diversificação da economia olhando para as cadeias de valor. Se o desafio do país é este, o banco também tem de ter uma posição pró-activa. Dirá que é um pouco sonhador. Não é. É evidente que vivemos um momento de crise – mas há que ter confiança na mudança. Talvez seja agora o verdadeiro momento de viragem. É nos momentos de crise que se tomam grandes decisões. O momento de fazer uma nova viragem chegou. E mais ano, menos ano, a viragem vai mesmo ser concretizada.
De que forma será implementada a vossa política de recursos humanos? Sabemos que fora das grandes cidades a interacção entre a sociedade e os bancos é bastante difícil: subsiste algum receio do desconhecido, muitos cidadãos não têm documentos pessoais, e também os trabalhadores bancários parecem desconhecer estes factos.
O que diz é verdade e constitui um constrangimento e também um desafio para o sector bancário. Há programas desenvolvidos pelo Banco Nacional de Angola (BNA), como o Bankita, por exemplo, que é uma tentativa de eliminar estes constrangimentos. O Banco Yetu abraça com muita força o Bankita. Paulatinamente, apesar do foco no Kuando Kubango, o banco terá representação nacional. Mas é evidente que ter uma operação de grande escala não é o nosso core business. Vamos avançar no Kuando Kubango porque acrditamos nessa província, sabemos que tem grandes potencialidades e alguém tem de apostar fortemente nelas. Os constrangimentos que falou passam também por questões culturais, de educação. No Banco Yetu já estamos a trabalhar na criação de normas internas e de manuais de conduta para melhorar a nossa abordagem. Concordo que há um certo bloqueio na relação entre os bancos e o público em geral. Mas acredito muito na nossa capacidade de adaptação. Recordo aqui uma pequena história – nós, os mais-velhos, temos a mania das histórias: quando fizemos a estratégia de longo prazo previa-se (se a memória não me atraiçoa) que, em 2010, haveria cerca de 3 ou 4 milhões de telemóveis em Angola. Naquela altura havia muito pessimismo e dizíamos que o povo não saberia mexer em telemóveis. Hoje já não faço ideia quantos telemóveis existem no país. Há que acreditar na nossa capacidade de adaptação. Para que haja uma aproximação das pessoas menos habituadas a lidar connosco, todo o sistema bancário precisa de ser educado nesse sentido. Há uma necessidade de interacção: é importante educar as pessoas para que os clientes cheguem até nós mas também precisamos educar os colaboradores para receber bem quem nunca teve contacto com a banca.
Falando um pouco do país em geral: enquanto ministro das Finanças assinou, em 2009, o último acordo de financiamento de ajuda externa (USD 1,4 mil milhões). Faz sentido voltar a chamar o FMI?
Julgo que o acordo com o FMI é permanente. Sei que recentemente esteve uma missão do FMI em Luanda, e devo reconhecer que não li o comunicado final. Mas há sempre diálogo entre as duas partes. O próprio artigo 4º do FMI dá essa abertura: é sempre efectuada uma visita anual dos técnicos que acompanham o país no FMI e o governo saberá o que fazer numa situação como a actual.
A relação mantém-se, naturalmente, mas naquela altura houve um empréstimo e um programa de reformas efectivado com o apoio do FMI. Neste momento não há nenhum pedido oficial de ajuda. O que lhe pergunto é se, na sua opinião, faz sentido pensar num novo programa?
De facto, a crise actual é diferente da crise de 2008. A crise de 2008 foi uma crise conjuntural, de curto prazo, causada pelo impacto imediato da queda do petróleo. Mas houve uma recuperação. Foi uma situação de curto prazo. É uma matéria, por excelência, do FMI: uma ajuda de curto prazo, conjuntural, com um financiamento ao défice de tesouraria motivado por factores externos à economia. A crise de hoje é diferente. Ela parece ter nascido da mesma causa – mas até agora não há sinais de recuperação. Passamos de uma crise motivada pela escassez de divisas para uma crise económica. Angola é um país fortemente dependente do exterior, quer nas exportações, quer nas importações. Um choque pelo lado da oferta provoca uma crise económica. As medidas para atacar o problema, para além das necessárias medidas conjunturais, terão de ser de cariz estrutural.
Deve-se pensar em acções de curto prazo, misturadas com uma visão de médio e longo prazo?
Exactamente. E neste caso talvez faça sentido pensar em algo mais profundo, talvez com a ajuda do Banco Mundial e de instituições similares. O governo está atento à situação e, embora sejamos um jovem país de 40 anos, já temos bastante experiência para lidar com estas situações.
Parece que as contas dos bancos têm vindo a deteriorar-se: temos o caso BESA (intervencionado pelo estado), recentemente foi anunciado um aumento de capital no BPC e eventualmente outras notícias vão surgir nos próximos tempos. Como analisa esta questão, sendo que o Banco Yetu surge numa fase de alguma turbulência também no sector bancário?
Estou convencido que, sendo uma crise económica e estrutural, vai ter de haver um reajustamento económico. A economia vai iniciar um processo de reajustamento. Que será mais ou menos doloroso consoante o preço do petróleo, sobre o qual praticamente não temos interferência. E ainda por cima deixou de haver, na minha opinião, a possibilidade de fazer análises objectivas sobre a evolução do preço do petróleo. O petróleo começou a ser um activo negociado em bolsa e, como tal, sujeito a todos os movimentos especulativos. Há 40 ou 50 anos atrás poderíamos falar que a economia estava a aquecer e que vai haver mais procura e o preço vai subir, ou vice-versa, eu não sei se hoje em dia é possível fazer um exercício destes. Ninguém consegue dizer o que se vai passar. E depois temos os pessimistas e os optimistas. Ainda ontem [sexta-feira; a entrevista foi realizada no sábado] ouvi o dr. José Cerqueira a dizer, na TPA, que há demasiado pessimismo: sendo assim ficamos a saber que ele pertence ao grupo dos optimistas (risos). Quando há um leque de opiniões tão diferentes entre si é porque não há objectividade. Temos de nos preparar para fazer a grande viragem. Aquilo que já se começou a fazer tem de ser rapidamente acelerado com o objectivo de dar força ao processo de diversificação económica. É natural que o sector bancário, como parte integrante da economia, também necessite de um ajustamento. Fundamentalmente porque com o reajustamento da economia, com a diversificação da economia, a importância do sector externo começa e diminuir. E a importância das divisas também começa a diminuir. Aquela franja de negócio focada no comércio de divisas, que constituía um elemento fundamental da banca comercial, vai começar a perder peso. Só agora a banca irá retomar, na minha opinião, o seu papel fundamental: captar depósitos e conceder empréstimos em moeda nacional – o tal problema de fortalecimento do kwanza. Estou convencido que haverá um ajustamento, mais longo ou menos longo, mas o caminho está traçado. Temos, talvez, de acelerar as medidas e dar início a uma reestruturação económica. E essa reestruturação económica inclui a reestrutração dos bancos.
Qual será o caminho? Fusões entre bancos, mais e melhor regulamentação?
A história do desenvolvimento do sector bancário passa por tudo isso que referiu. Quando o sector bancário, como é o caso dos países em desenvolvimento, passa de um monopólio estatal para uma privatização, as pessoas têm de entender que a expansão é normal. São negócios novos, que passam a determinada altura por uma fase de alastramento. Como também é normal que surjam momentos de reestruturação. As fusões não são uma coisa necessariamente má. É apenas uma questão de ser oportuno e pode ser um dos caminhos. Fundamentalmente, temos de readaptar o nível de actividade e a forte dependência que os bancos têm do comércio de divisas. Isto torna-os extremamente vulneráveis ao sector externo. O sector bancário, que devia ser, fundamentalmente, um mecanismo para receber depósitos e emprestar dinheiro, ficou vulnerável pelo facto da economia angolana em geral ser também vulnerável. Com esta crise os bancos também ficaram expostos. E como é evidente têm de fazer a sua reestruturação. O que vejo aqui é uma reestruturação completa da economia nacional – incluindo do sector bancário.