AUGUSTO CAMPOS | LUANDA, 15 Junho 2015:
A Justiça do Vaticano vai julgar, pela primeira vez, um caso de
pedofilia envolvendo um membro do clero. O presidente do Tribunal de
Estado do Vaticano marcou para 11 de Julho a primeira audiência do
processo canónico em que é arguido um ex-arcebispo polaco de 66 anos,
que está acusado dos crimes de abuso sexual de menores e de posse de
material pornográfico.
“O tribunal de Estado do Vaticano deduziu
acusação contra o antigo núncio apostólico na República Dominicana,
Josef Wesolowski”, confirmou esta manhã o porta-voz da Santa Sé,
Federico Lombardi. O ex-arcebispo, que resignara ao sacerdócio em 2013
na sequência da abertura do inquérito, foi destituído de todos os cargos
eclesiásticos e reduzido ao estado laico no ano passado. Por decisão do
Papa Francisco, foi colocado sob prisão domiciliária no Vaticano,
enquanto decorriam as investigações criminais lançadas pelas autoridades
dominicanas e também da Santa Sé.
E para os especialistas, a
intervenção do Papa também terá sido fundamental para a decisão das
instâncias canónicas de avançar com o julgamento. Segundo os
vaticanistas, o processo poderia ter um desfecho muito diferente se o
pontífice não tivesse deixado claro, logo depois da sua eleição, que não
teria tolerância ou contemplações para com os membros do clero
envolvidos em crimes de natureza sexual.
Os factos por que Wesolowski está
acusado remontam ao período entre 2008 e 2013, quando era o embaixador
do Vaticano na República Dominicana, e alegadamente pagou para manter
relações sexuais com menores. A polícia de Santo Domingo abriu uma
investigação depois de denúncias se referirem a pagamentos feitos pelo
núncio a jovens para participarem em sessões de masturbação ou relações
sexuais – o caso tinha sido exposto por uma conhecida jornalista durante
um programa televisivo naquele país.
De acordo com o relato dos
menores citados pela reportagem, Wesolowski costumava frequentar um
passeio marítimo que é uma conhecida zona de prostituição de Santo
Domingo. Aparecia “disfarçado” com roupas de turista e um boné de
baseball, e abordava rapazes – alguns eram engraxadores de sapatos e
outros eram prostitutos – a quem oferecia dinheiro em troca de serviços
sexuais.
As acusações foram transmitidas à Santa Sé e o assunto
foi reputado como “extremamente grave”. O então arcebispo foi
discretamente removido do cargo e chamado de volta a Roma antes de ser
inquirido pelas autoridades dominicanas – uma decisão polémica mas que
segundo a interpretação da Santa Sé não “obstruiu” a justiça uma vez que
Wesolowski estava “protegido” pela sua imunidade diplomática.
Mas
além dos crimes de abuso sexual de menores alegadamente praticados na
República Dominicana, o ex-prelado também foi acusado da posse de
pornografia infantil: esse material terá sido encontrado entre os seus
pertences quando já se encontrava em Roma. Se vier a ser condenado,
Jozef Wesolowski poderá enfrentar uma pena que pode ir dos seis aos doze
anos de prisão, que provavelmente serão cumpridos num estabelecimento
prisional italiano (o Vaticano não dispõe de cadeia). Outras
possibilidades, em caso de condenação, passam pela extradição para a
República Dominicana ou para a Polónia, seu país de origem.
A
Santa Sé qualificou o processo – que será o primeiro julgamento de
crimes sexuais dentro do Vaticano – como “delicado” e confirmou que o
inquérito envolve um elevado grau de cooperação internacional,
nomeadamente com as instâncias judiciais da República Dominicana. Em
comunicado, o Vaticano diz que as acusações serão examinadas pelo “órgão
judicial competente da Justiça canónica”, que poderá solicitar perícias
técnicas e inquirições de testemunhas para “uma análise mais
escrupulosa das provas”.
Demissões nos EUA
Entretanto
nos Estados Unidos, o arcebispo John Clayton Nienstedt e o bispo
auxiliar Lee Anthony Piche afastaram-se da diocese de Saint Paul e
Minneapolis, que foi formalmente responsabilizada pelo encobrimento de
alegados abusos sexuais de menores por parte de um dos seus clérigos
pela procuradoria do estado de Minnesota.
Em comunicado, o
procurador do condado de Ramsey, John Choi, informou que o processo
movido contra a diocese assenta num “preocupante padrão de
comportamento, institucional e sistémico, exibido durante décadas pelas
mais altas hierarquias da arquidiocese de Saint Paul e Minneapolis”, que
terá contribuído para o prolongamento da actividade criminosa de um
padre, que entretanto foi condenado por abusos sexuais de menores.
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