segunda-feira, 24 de abril de 2017

A economia angolana continuará nas mãos da família ´´dos santos´´ mesmo depois da sua saída



Autor do livro "A Guerra Civil em Angola 1975-2002", Justin Pearce, investigador do Centro de Estudos Políticos Internacionais da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, prevê uma nova vitória eleitoral do MPLA nas próximas eleições, mas acredita mais no poder transformador da CASA-CE do que no de João Lourenço. "A família Dos Santos, na pessoa de Isabel dos Santos, continuará a ter o controlo da economia, e irá manter muita influência sobre o futuro Presidente", antecipa o especialista, que fala ainda na "instrumentalização" dos sobas.

Apesar de salvaguardar que "é muito difícil saber o que irá acontecer em Agosto", nas eleições gerais, Justin Pearce considera que "não vão marcar nenhuma mudança de regime".

Para o investigador do Centro de Estudos Políticos Internacionais da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, se "é certo" que "o MPLA vai ganhar", não é menos certo antecipar que "os próximos anos vão ser muito interessantes em Angola".

Segundo o especialista, que partilhou a sua análise numa entrevista à agência Lusa, o partido no poder enfrenta um grande "desafio" em Luanda, devido a "um clima político mais aberto" e a "uma sociedade civil mais desenvolvida" do que nos escrutínios de 2008 e 2012.

Ao mesmo tempo, Justin Pearce antecipa um peso acrescido da CASA-CE no xadrez político nacional.

"Acho que a emergência da CASA-CE é um passo muito importante na vida política de Angola. É um primeiro passo para quebrar a lógica da guerra, que tem dominado a política angolana desde a independência", considera o investigador britânico, para quem "é muito significativo" que o líder da coligação seja Abel Chivukuvuku, antigo dirigente da UNITA, e um dos seus vice-presidentes seja André Gaspar Mendes de Carvalho, conhecido como almirante Miau, filho de Mendes de Carvalho, um dos fundadores do MPLA.

"Neste sentido, a CASA-CE representa a possibilidade de uma política verdadeiramente pós-guerra. Acho que, por exemplo, em Luanda pessoas que sempre foram do MPLA e que estão cansadas com a corrupção e má governação, nunca votariam na UNITA por razões históricas, mas podem olhar para a CASA-CE como uma possibilidade de escolha política", nota o britânico.

Menos convencido sobre o poder transformador de João Lourenço, Justin Pearce revela mesmo reticências sobre a eficiência da liderança de João Lourenço na mobilização do voto no MPLA.

"Neste momento é muito difícil prever as acções da presidência de João Lourenço. Mas acho que a autonomia dele vai ser limitada. A família Dos Santos, na pessoa de Isabel dos Santos, continuará a ter o controlo da economia, e irá manter muita influência sobre o futuro Presidente", prevê o investigador.

Prendas a sobas para encorajarem populações a votar MPLA

Justin Pearce antecipa ainda uma mudança de dinâmica nos trabalhos da Assembleia Nacional, a partir da saída de José Eduardo dos Santos.

"José Eduardo dos Santos nunca aceitou reivindicações de figuras dentro do MPLA. O debate foi sempre fraco. Isso também aconteceu com o Parlamento, que funcionou sempre como um carimbo [administrativo] dos actos do executivo. Na medida em que Dos Santos deixa de manter o controlo político dentro do partido, acho que isso vai encorajar debates mais férteis. Mesmo entre deputados do MPLA".


De acordo com o especialista, que enquanto jornalista, acompanhou, até ao seu doutoramento em 2015, a política sul-africana e angolana, as perspectivas de uma renovação alargada no poder em Angola estão a alimentar esperanças - junto de "algumas pessoas com conhecimento profundo da política angolana" - de que o país pode embarcar numa viragem política em 2022, com uma vitória de uma coligação da oposição.

Este cenário não conta contudo com o aval do investigador britânico, que se limita a reconhecer força aos argumentos que apontam para o enfraquecimento do MPLA sob a liderança de João Lourenço, num processo que muito dependerá também da saúde de José Eduardo dos Santos.

O especialista antevê igualmente um ressurgimento da UNITA no Planalto Central, "por razões históricas e porque o clima de medo está a aliviar", embora assinale que a opressão política por parte do MPLA nas zonas rurais" permaneça muito forte".

"Acho que nas eleições de 2008 e 2012 os sucessos do MPLA nas zonas rurais, nomeadamente no Planalto Central, podem ser atribuídos em grande parte à instrumentalização política dos sobas. Os activistas do MPLA antes de uma eleição não deixam de dar prendas aos sobas, seduzindo-os e levando-os a encorajar as populações a votar MPLA", aponta o autor de "A Guerra Civil em Angola 1975-2002".

O livro, cuja edição em português chega a Portugal neste fim-de-semana da Páscoa, é apontado como o primeiro estudo sobre a natureza e as manifestações de identidade política da população angolana durante o período de guerra civil, entre 1975 e 2002.

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