sábado, 21 de janeiro de 2017

Ela respira com ajuda de uma botija



"Medo é psicológico", diz Maria Eduarda Zilio, de 14 anos. Uma sorridente jovem que, apesar da pouca idade, já enfrenta uma corrida pela vida e cujo sonho é ter um dia a dia normal, como qualquer menina.
Duda, como gosta de ser chamada, sofre de fibrose cística, doença de origem genética que compromete os órgãos - em especial os pulmões.
Por força da enfermidade, ela entrou, em 7 de janeiro de 2016, para a fila de 42.306 pessoas que, segundo dados do Ministério da Saúde, aguardam por um transplante de órgão hoje no Brasil. O de pulmão está entre as cirurgias consideradas mais complexas pela medicina.

A espera de Duda se torna ainda mais particular por suas peculiaridades: o pulmão precisa ser pequeno, de alguém com até 1,40 m de altura. Para complicar ainda mais seu caso, ela está entre os 6% de pessoas no mundo que tem sangue B+, o que reduz, e muito, as probabilidades de encontrar um doador compatível.
O diagnóstico da doença veio aos 3 anos - os problemas mais sérios começaram em 2014, aos 12. "Ela fazia esportes, educação física no colégio, sempre levou uma vida normal. Mas em julho daquele ano ficou 21 dias internada", conta a mãe Margarete Zilio, de 52 anos.
Desde então, a doença evoluiu e levou a uma mudança de vida de toda família. Na volta para casa, ela sofreu um pneumotórax (acúmulo anormal de ar entre o pulmão e a pleura, membrana que reveste internamente a parede do tórax) e ficou mais 39 dias internada.
"Foram quarenta. Cada dia a mais conta", corrige logo Duda.

Na busca por tratamento, os pais e a menina se mudaram de Jundiaí, no interior de São Paulo, para Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre, a capital gaúcha.
A família chegou a fazer campanha nas redes sociais pedindo ajuda. A página "Duda Zilio - Garota de fibra" ainda está no ar.
Na Santa Casa de Porto Alegre, centro de referência em transplantes no país, a menina faz reabilitação junto a outros 40 pacientes enquanto aguarda um órgão compatível. "Duda engordou dez quilos depois que começou a reabilitação, foi maravilhoso pra ela", conta a mãe.
Lá, todos vivem conectados ao cilindro de oxigênio, o equipamento com o qual Duda convive 24 horas por dia. Uma fonte de vida, mas também de problemas.
"As pessoas tropeçam no fio. A minha mãe e a minha avó também. Quando eu grito 'Mãe!' já é tarde, acaba que até arranca do nariz", conta a menina, rindo.
Ela também passa por dificuldades na rua. As pessoas não enxergam a mangueira fina e passam no meio, entre a menina e a mãe - o paciente não deve levar o equipamento e, por isso, tampouco pode andar sozinho.
"O sonho dela é entrar na sala de cirurgia e sair de lá sem ter que carregar mais esse tubo", diz a mãe.
Duda vai à escola normalmente, mas não pôde participar da viagem de formatura. Como o órgão pode surgir a qualquer momento, a família não pode viajar.
"Gostaríamos de ir conhecer a serra e outros lugares, mas não podemos nos afastar e correr o risco de não conseguir chegar na Santa Casa a tempo", explica Margarete.
Enquanto isso, a adolescente curte as férias lendo e vendo filmes com os pais. "Outro dia, ficamos até às 3h da manhã assistindo a Harry Potter", conta.

A mãe já fez exames para avaliar a compatibilidade de fazer um transplante intervivos - aquele em que o doador está vivo. Nesse caso, porém, é preciso mais de um doador.
"Eu sou compatível, mas estamos vendo se alguém mais da família é. Isso é muito difícil porque as pessoas tem medo da cirurgia. Eu entendo", afirma.
Duda pensa no futuro com otimismo: "Quero ser médica, geriatra ou pediatra, adoro velhinhos e crianças", diz.
A escolha de Sofia
O médico Sadi Sochio, coordenador clínico da equipe de transplante de pulmão da Santa Casa, define a luta de Duda e dos demais pacientes como o "jogo perverso de ganhar a corrida da morte que está se avizinhando. É uma corrida imoral", define.
Todos os anos são realizados em média 30 transplantes de pulmão em Porto Alegre, apesar da capacidade e da estrutura do hospital permitirem o dobro disso.
"Nós estamos aqui, prontos. Podemos realizar de 50 a 60 transplantes por ano, mas precisamos de ajuda da sociedade. Precisamos que as pessoas se declarem doadoras e que as famílias saibam disso", diz.
A lista de espera por transplantes de pulmão na Santa Casa tem 60 pacientes. O prognóstico é de que a chance de esses pacientes morrerem em dois anos é de 50%.
"As pessoas não são um litro de leite que vem com data de validade. Não temos como saber quando a pessoa vai morrer. Caso esses pacientes não recebam o enxerto (órgão novo), metade deles vai morrer. Isso é um dado bem real que acompanhamos há bastante tempo", explica o médico.
Dos pacientes que chegam a fazer o procedimento, 50% veem melhora em sua qualidade de vida e tem uma expectativa de vida ampliada em cinco anos. Para 99% deles, não existe a possibilidade de transplante intervivos, até porque, para isso, não existe cobertura pelo SUS.

Um transplante de pulmão entre duas pessoas vivas custa cerca de US$ 100 mil dólares.
"Se eu fizer isso, vou ter que fechar o programa de transplantes, porque diminui o número de operações que posso fazer por ano", afirma Sochio.

Segundo dados do Ministério da Saúde, 2,3 mil pessoas morreram à espera de um órgão no Brasil em 2015.

Na Santa Casa de Porto Alegre, foram realizados 30 transplantes de pulmão em 2016, dois a mais do que em 2015 - ano em que foram realizados quatro transplantes em intervivos.
No país inteiro (o procedimento também é feito em hospitais em Fortaleza e em São Paulo) foram realizados 74 transplantes de pulmão em 2015 e 72 até agosto de 2016, de acordo com o Ministério da Saúde - 182 pessoas estão à espera do órgão.

Sochio afirma que a principal causa da necessidade de transplantes ainda é o tabagismo. Ele pede que as pessoas externem seu desejo de serem doadoras e, assim, ajudar essas pessoas.
"No jantar de Natal, no almoço de domingo... as pessoas têm que informar a família de que querem doar órgãos caso algo ocorra", diz.

O médico afirma o órgão recebido deve ser usado da forma mais cuidadosa possível e que a busca é por pacientes que tenham mais cuidado e disciplina, que vão cuidar bem deles.
"Vivemos uma escolha de Sofia diária", relata.

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