terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Começou o festival de teatro de Luanda



O “FESTA”, Festival de Teatro Angolano, abriu a sua primeira edição na passada quinta-feira no Palácio de Ferro, com a exibição da peça “Pedro e o Capitão”, um clássico da dramaturgia mundial, traduzido, encenado e interpretado pelos actores Meirinho Mendes e Correia Adão.

A simplicidade da cenografia, constituída por uma mesa e uma cadeira, estando sobre a mesa um telefone e uma máquina de dactilografar, é um cenário que nunca associamos a uma cela, mas sim a uma clássica sala de interrogatórios. Meirinho Mendes, protagonista que na peça representou o Capitão, torturador, interpretou  do seguinte modo o texto dramático que suportou a sua representação:  “A minha visão sobre o texto guião de Mário Benedetti está muito para além da tortura, ou seja, eu estabeleço uma relação com os paralelismos históricos universais no que se refere a esta matéria. Em África, por exemplo, os nossos episódios de tortura foram marcantes e estão relacionados com a luta pelas independências das potencias coloniais. Esta peça foi o reviver destes períodos, que tem a ver com a nossa dimensão emocional mais profunda, e, ao mesmo tempo, obscura. Refiro-me  à época de Agostinho Neto, Amílcar Cabral entre outros nacionalistas. Ao representar esta peça sinto-me livre, no cumprimento de um dever simbólico enquanto sujeito que entretém através da história, e educa de forma consciente”. 

De facto, “Pedro e o Capitão” é uma longa conversa entre um torturador e um torturado, em que a tortura não está presente como tal, mas sim na grande sombra que pesa sobre o diálogo. A peça define-se como uma indagação dramática na psicologia de um torturador. Algo como a resposta ao porquê ou mediante que processo, um ser humano normal pode converter-se num torturador. Apesar da tortura ser o tema da obra, como um feito físico, não figura na cena. Como tema artístico, a tortura pode caber na literatura ou no cinema, mas no teatro torna-se uma agressão demasiado evidente para o espectador. 
Em “Pedro e o Capitão” os quatro actos são um mero intermédio, entre tréguas e tortura. São breves períodos em que um interrogador recebe um detido que foi prévia e brutalmente espancado. O torturado pode não ser apenas uma vítima indefesa, condenado à derrota ou à delação. É também um homem que usa o silêncio como escudo, como arma. Um homem que prefere a sua morte à traição. Com uma invejável ficha técnica, “Pedro e o Capitão” tem a dramaturgia de Rogério Carvalho, figurinos e cenografia de Meirinho Mendes, e a técnica de Nuno Martinho.

Programação

O “FESTA” abriu no dia 12 de Janeiro com a peça “Pedro e o Capitão”, e, na sequência da programação, seguiu-se a peça “Violência doméstica” do grupo Julu, obra que aborda questões relacionadas com a violência doméstica, um problema urbano de grande impacto na actualidade. No mesmo dia foi exibida a peça “O resultado” do grupo Amor a arte, que aborda a problemática do HIV. No dia 13 foi representada a peça “E lá fora os cães”, baseada no livro homónimo de Nguimba Ngola, encenada pela Companhia de Teatro Kelga, “La equacion” da companhia de teatro Estrelas de África. Sobre “La equacion” diríamos que há uma dinâmica teatral e mística na dança e música feita no bairro Palanca, um facto que nos leva à equação do trinómio, música, dança e voz, como sendo uma só arte performativa africana. Com uma musicalidade e movimento característico do Congo, este grupo apresentou uma história sobre o poder em África. Seguiu-se ainda, no dia 13, a peça “O preço do fato” da Companhia de Teatro Pitabel. “O Preço do fato” retracta bem o conflito angolano entre o velho e o novo, ou seja, as contradições entre tradicional e o moderno. No dia 14 foi a vez da peça “O grito” sobre um poema de Agostinho Neto, pelo Elinga Teatro. Sobre a representação de “O grito”, Raúl Rosário disse o seguinte: “A primeira vez que assisti esta obra confesso que fiquei surpreendido. Há algo de inquietante na forma como o actor Caetano interpreta a escrita poética de Agostinho Neto. Ao mesmo tempo que sons de violão são tocados ao vivo, as sombras resultantes da luz sobrevoam o seu corpo de bailarino treinado na Companhia de Artes Kussanguluka”. No mesmo seguiu-se a peça “Kassinda não volta atrás” da Companhia de Teatro Nguizane Tuxicane, e “A filha do bruxo” da Companhia de Teatro Julu. Ontem, último dia do Festival, foram exibidas as peças “O guerrilheiro chorão” da Companhia de Teatro Semente Viva, “Louco por mulheres” da Companhia de Teatro Miragens, e  “O Feiticeiro e o inteligente” da Companhia de Teatro Etu Lene. 

Autoria

Mário Benedetti (1920-2009), poeta, escritor e ensaísta uruguaio é o autor da peça “Pedro e o Capitão”. Integrante da Geração de 1945, a qual pertencem também Idea Vilariño e Juan Carlos Onetti, entre outros, é considerado um dos principais dramaturgos uruguaios. Mário Benedetti iniciou a carreira literária em 1949 e ficou famoso em 1956, ao publicar “Poemas de oficina”, uma de suas obras mais conhecidas. Escreveu mais de oitenta livros de poesia, romances, contos e ensaios, assim como roteiros para cinema. 

Capitão

Filho de Luís Mendes e de Filomena Bento, Adérito Bento da Silva Mendes, Meirinho Mendes,  nasceu em Luanda no dia 12 de Maio de 1970. Iniciou a sua actividade artística em 1989, no Elinga Teatro, e tem desenvolvido trabalhos, em cinema, televisão e dança, quer em Portugal, como em Espanha, países onde residiu, estudou e desenvolveu a sua actividade artística. No domínio da formação frequentou o Pré-Universitário de Luanda, de 1988 a 1990, na área de Ciências Sociais, e de 2002 a 2005, concluiu o curso de formação de actores da Universidade Autónoma de Madrid. Meirinho Mendes teve ainda como complemento à sua formação os seguintes cursos: Técnica de Representação, Elinga, 1989, Dança Contemporânea Africana, 2006, Formação em Técnicas de Clown, Montagem de coreografias, Contador de Estórias, Representação para a câmara em televisão, e Iniciação ao teatro e cinema. 
No domínio do cinema, Meirinho Mendes participou nos filmes: “Via de acesso”, de Nathalie Mansoux, em 2008, “Cinerama”, de Inês Oliveira, em 2007, “Na cidade vazia”, de Maria João Nganga, 2004, e “Comboio da Canhoca”, de Orlando Fortunato, igualmente em 2004. Dos seus vários projectos em televisão, destacamos a série humorística, Makamba Hotel, uma co-produção entre a Valentim de Carvalho, e a TV Zimbo, e projectos no domínio da dança. 
Meirinho Mendes tem desenvolvido desde 2005, com o actor Raúl do Rosário, um trabalho contínuo com o Núcleo de Teatro da Fundação Sindika Dokolo, do qual é coordenador, com Direcção Artística do encenador Rogério de Carvalho, e Direcção Geral de José Mena Abrantes, no âmbito da III Trienal de Luanda. 

Pedro 

Filho de Manuel Adão e de Maria Gaspar Peliganga Adão, CorreiaManuel Peliganga Adão, que representa o Pedro na peça, nasceu em Icolo e Bengo, na  comuna de Kaxicane, no dia 11 de Abril de 1973. Correia Adão formou-se em teatro em 2010, frequentou um curso de dança e estuda actualmente Línguas e Literaturas Africanas no Isced. Iniciou a sua actividade artística em 1991 no grupo Kufikisa e,  desde então,  tem participado em vários projectos teatrais, cinema e televisão dos quais destacamos e resumimos os seguintes: actor na peça “A mulher sem pecado”, Rio de Janeiro, Brasil, 2016,  no âmbito do Festlip, Festival de Teatro de Língua Portuguesa, e representou, no mesmo ano, a peça “O cego e o paralítico”, igualmente no Rio de Janeiro, Festlip, e no Mindelact, em Cabo-Verde.

 Na sequência representou as peças, “O jantar de idiotas,“A errância de Caim”, “Kimpa-Vita”, “O moribundo que não queria morrer”, e na dança fez parte do projecto “Os quadros vetustos” da CDC, Companhia de Dança Contemporânea. Correira Adão  tem várias participações no cinema e televisão.

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