O tempo, às vezes, parece passar a correr numa sucessão de horas e anos, com a voragem do dia-a-dia a fazer-nos esquecer factos que nos ditam a vida e amiúde são sufocados por circunstâncias secundárias.
Dentro de horas, os angolanos, de todas as idades, recordam aquele anúncio feito pelo poeta que, mesmo nas cadeias do opressor e no exílio, exprimiu, como poucos, o sofrimento do povo a par da esperança de uma Pátria livre e soberana.
A multidão que se concentrou no Largo da Independência, em Luanda, viu pela primeira vez a nossa Bandeira, içada simbolicamente por um pioneiro e um dos heróis do 4 de Fevereiro - o saudoso comandante Imperial - que em 1961 atacaram cadeias de Luanda para libertar companheiros do sonho de liberdade. O aglomerado era de homens e mulheres de todas as idades, crianças até, algumas levadas aos ombros dos pais, operários, camponeses das redondezas da capital, amanuenses, estudantes, intelectuais, gente anónima da cidade asfaltada e dos musseques.
Todos eles fazem parte do grupo restrito que naquela noite viram a Bandeira Nacional ser beijada no alto do mastro pelo vento suave de Novembro. A televisão era algo que não tínhamos. Se houve outros angolanos privilegiados estavam no estrangeiro. Mas, as palavras do Presidente Agostinho Neto e o Hino Nacional, ouvido pela primeira vez em público, foram escutados em todo o país pela rádio.
A partir daquele momento, os angolanos podiam orgulhar-se de ter uma Bandeira e um Hino, que marcavam o fim do capítulo contra as forças do regime colonial e aliados e o início de outro, não menos perigoso e sangrento, contra inimigo idêntico, embora com outra roupagem, mas os mesmos objectivos, a exploração do povo. Os efeitos do armamento pesado dos invasores eram audíveis na capital.
Os angolanos sabiam disso. Luanda naquela noite, como nos dias imediatamente anteriores e nos que se seguiram, correra o risco de ser invadida por mercenários zairenses, portugueses, de várias outras nacionalidades, comandados por um oficial do Exército tuga, o coronel Santos e Castro, que foram obrigados a fugir perante a resistência, inesperada para eles, das nossas tropas. Que da defesa passaram ao ataque.
Esta determinação e heroicidade dos combatentes angolanos, na salvaguarda da integridade territorial do país, mantiveram-se até à derrota do poderoso Exército da África do Sul - tido na altura como o melhor apetrechado e organizado do Continente - e ditaram o desmoronar do regime do apartheid e a Independência da Namíbia, após o Zimbabwe se ter livrado já do regime racista de Ian Smith.
Desta forma, cumpria-se o desígnio de Agostinho Neto: a luta do povo angolano apenas terminava, quando aqueles três países fossem verdadeiramente independentes. Também a razão de, em 25 de Março de 1969, o MPLA ter optado, para que não restassem dúvidas quanto ao desfecho final da luta que empreendia, pela palavra de ordem “A Vitória é Certa” em detrimento de “Vitória ou Morte”.
Os angolanos preparam-se, uma vez mais, para comemorar em paz o aniversário da proclamação da Independência Nacional. Muitos vão fazê-lo a farrar e têm razões para isso. O momento é de festa, de progresso e esperança na continuação de melhores condições de vida. Os tempos de guerra já lá vão. Mas é importante conhecer a História, os que se sacrificaram para termos este presente. Os que tombaram de armas na mão, penaram nas cadeias e campos de concentração, foram torturados e mortos, nas prisões e fora delas. Os perseguidos, flagelados por todos os ventos adversos. E esse avivar de memórias não pode ser feito apenas nos discursos oficiais, mas diariamente. Principalmente nos estabelecimentos de ensino de todos os níveis e no seio familiar. Para se evitar que daqui a uns anos o 11 de Novembro seja somente mais um feriado nacional, sem escola, nem trabalho, de farra. É aos mais velhos que cabe a missão de explicar aos mais novos “o que custou a liberdade”. Se não o fizermos, corremos o risco de sermos, com propriedade, acusados de contribuir para uma sociedade de ignorantes.
JA
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