AUGUSTO CAMPOS | LUANDA, 15 Outubro 2015:
Apesar do estado de fraqueza, o rapper e activista Luaty Beirão está determinado a continuar a fazer greve de fome, iniciada à meia-noite de 21 de Setembro. O amigo Pedro Coquenão, que o visitou na terça-feira, disse ao PÚBLICO por telefone que o activista “estava obviamente fraco, passou o dia todo a descansar” e “não está melhor”. Luaty Beirão está no hospital-prisão São Paulo, em Luanda, desde dia 9. Continua “a soro, pois não consegue ingerir a quantidade de líquido suficiente para fazer a hidratação”, explicou, por seu lado, a mulher, Mónica Almeida.
Há uns meses, o PÚBLICO esteve em Luanda a entrevistar Luaty Beirão sobre a situação política angolana e os 40 anos de independência, que se comemoram a 11 de Novembro.
À entrada da casa de Luaty Beirão, num bairro de classe média/média alta de Luanda, estavam vários seguranças – mas não a vigiar a casa do rapper e activista. Estavam numa posição estratégica, porque tinham sob vigilância a rua de um lado e do outro – na rua vivem também dois generais do Exército angolano. Luaty recebe o PÚBLICO sorridente numa tarde de final de Março, mês em que chove regularmente. Fala de política, do regime e da sua desilusão com o Governo de José Eduardo dos Santos.
Podia ser um filho do regime, pois o seu pai, João Beirão, era um homem próximo do Presidente, tendo dirigido a FESA, a Fundação José Eduardo dos Santos (morreu em 2006). Mas escolheu estar do lado dos que contestam a forma como o país foi dirigido nestes últimos 13 anos – os anos a seguir ao final da guerra, que durou de 1975 a 2002.
Foi preso logo em 2011, durante a primeira manifestação da sociedade civil contra o regime a 7 de Março; participou noutras manifestações pacíficas depois disso (que seriam reprimidas pelo regime), discursou em palco para milhares de pessoas, apontando o dedo a figuras concretas do regime.
Em Junho deste ano, Luaty Beirão foi preso com um grupo de activistas que estava a discutir política angolana: elementos da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC) algemaram-nos e levaram-nos sem mandado de captura; outros activistas seriam detidos em suas casas nos dias seguintes, perfazendo um total de 15. Faz agora uma greve de fome para exigir que todos os detidos aguardem o julgamento em liberdade.
Luaty nasceu em Luanda e lá viveu até aos 17/18 anos. Saiu para ir estudar em Inglaterra, onde cursou Engenharia Electrotécnica, e depois em França, onde estudou Economia – voltou em Março de 2009. Nunca trabalhou, porém, em nenhuma das áreas que estudou. Faz serviços de tradução e dedica-se à música.
Com dupla nacionalidade, angolana e portuguesa, dizia na entrevista que podia, a qualquer momento, ir-se embora, mas sentia que o seu percurso era em Angola: “O meu chamamento é aqui, onde posso fazer alguma coisa é aqui, onde posso contribuir de alguma maneira para melhorar é aqui. O meu coração bate aqui.”
Reproduzimos aqui as suas palavras em discurso directo
"O meu ponto de vista de activista é o meu ponto de vista de cidadão – aliás, a minha cidadania é que me faz ser activo. Não estou satisfeito com os 40 anos de independência, com os resultados alcançados. Poderíamos ter ido muito mais longe, se houvesse amor ao próximo, noção de responsabilidade e de responsabilização.
"Essa coisa de não termos gente suficiente para gerir o país pode entrar na teorização, mas há tanto egoísmo, tanta sede de poder, tanta noção de que uns angolanos são melhores do que outros e que merecem mais gerir o país do que outros...
"Tínhamos acabado de sair da guerra colonial, celebrámos a independência ao som dos canhões, ou seja, nunca houve interrupção da luta. Seria injusto fazer a avaliação dos 40 anos, quando há este período tão longo de guerra. Apegar-me-ia mais ao pós-2002, a estes últimos 13 anos, e sinceramente é completamente desencorajador e desmotivante para alguém da minha geração, que vai a caminho dos 40, sentir que a juventude nos está a escapar, sentir que não houve melhorias no que diz respeito à Saúde, à Educação, não há perspectivas de, num futuro próximo, os angolanos serem capacitados para gerirem o seu próprio destino.
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