segunda-feira, 7 de abril de 2014

Música de Sofia Rosa na voz de um sobrinho

 
AUGUSTO CAMPOS | LUANDA: Em “Axiluanda”, um CD cujo ineditismo e transmutação estética assentam, na finalização sonora, arranjos, magnitude dos recursos instrumentais, e, sobretudo, na interpretação, Jorge Rosa, herdeiro legítimo da obra de mítico Sofia Rosa, interpreta os clássicos, “Nguexile mutunda mu Sambila”,“Mahinga Mami”e “Kalumba”, incluindo três momentos memoráveis da cantora Ilda Rosa. A experiência adquirida ao longo do exercício de uma prática musical, em locais de exibição intimista, com destaque para a II Trienal de Luanda, em 2010, e Bienal Internacional de Poesia de Luanda, em 2012, motivaram o cantor e compositor, Jorge Rosa, a enveredar pela interpretação, com voz e violão, de clássicos de Artur Nunes, André Mingas, David Zé, Urbano de Castro, Sofia Rosa e Ilda Rosa. 
Para além de pertencer a uma importante genealogia de cantores, a edificação da carreira musical de Jorge Rosa tem sido marcada pela absorção de um conjunto de culturas e influências, que vão desde o fado lisboeta, Música Popular Brasileira, e clássicos do jazz norte-americano. O processo de culto deste hibridismo equilibrado,  tem influenciado, positivamente, a solidificação crescente da universalização da sua carreira.
Sobrinho do cantor e compositor, Sofia Rosa, e da cantora e compositora, Ilda Rosa, Jorge Rosa adquiriu o gosto e refinamento musical, no interior da sua família: “A minha infância e vida, foram desenhadas com notas musicais, interpretadas bem perto de mim. Na realidade pretendo transmitir o legado da minha  linhagem cultural, personificando um manifesto, ou seja, trilhando pelo renascimento de novos conceitos. Tenho um projecto revivalista, que resgata a identificação cultural, dando a conhecer ao mundo a tradição angolana, estilizando as suas origens”. Filho de José Elísio Rosa e de Maria Benita da Costa Gomes Rosa, Rui Jorge Gomes Rosa nasceu em Luanda, no Bairro da Samba, no dia 7 de Abril de 1964.

Axiluanda


“Axiluanda” é o resultado lírico de uma peregrinação apaixonada pela memória das canções de Sofia Rosa e Ilda Rosa. Para além dos temas assinados por Jorge Rosa, “Nini Ndingi Tuandala” e  “Axiluanda”, canção homónima ao título do CD,  o cantor interpreta: “Makixe”, “Nga Njibidisa” e “Lumoxi”, de Ilda Rosa. Jorge Rosa recordou ainda: “Ngexile Mutunda mu Sambila”, “Manhinga mami”, e “Kalumba”, canções  emblemáticas de Sofia Rosa.  Destacamos “Lumoxi”, “Kalumba” e  “Manhinga mami” três momentos ímpares de interpretação de Jorge Rosa. Pelo simbolismo histórico, transcrevemos a letra da canção, “Manhinga mami”: Nakuetuenu gividenu/ muxuma uami uadibange nzaba/ ó mahinga mamie/ mene menha ma kixima/ eme kiki ki ngolo imba ze/ ia difungo iolo banga ifulu/ ó ifulu yonoyo ué/ iolo ngi sukula ó nguludia/ petelo zé dya petelo zé/ ky olo banga ze iolo bekela ó dixe/ eye ku kijimbe/ sonhy uolo banga paleto toso. “Axiluanda” é um disco de memória, no sentido de reflexão histórica do passado, contemporâneo e intemporal,  com firme solidez para a fruição crítica das gerações vindouras. No fundo, “Axiluanda”,  é uma obra futurista, com nobres ressaibos do passado.

Crítica

Para uma melhor compreensão da obra de Jorge Rosa, retiramos um extracto do texto que consta no encarte do CD “Axiluanda”, assinado por Jardim Fernandes, um dos mais visíveis críticos da obra de Jorge Rosa, que diz o seguinte: “Este trabalho reflecte o resultado de uma vida, observado de perto, por dentro e fora, a odisseia de um povo que se espalhou pelo mundo, e que continua a resistir por tanto querer o reencontro com as suas origens. Na realidade Jorge Rosa é aquele que nos quer transmitir o legado da sua linhagem cultural, é a personificação de um manifesto, a ideia de renascimento de uma nova era com opções inovadoras. Um revivalismo que quer resgatar a identificação cultural de um povo que se quer dar ao mundo através da sua tradição a partir das origens. São os trovadores quem transportam e transmitem a sua cultura através dos tempos. Angolano de todo o sempre, filho de Luanda e da Samba, ninguém adorou mais esta cidade do que ele próprio, sobrinho do mártir Sofia Rosa e Ilda Rosa é chegada a hora de tomar o testemunho dos seus antecessores prestando-lhes homenagem cantando em kimbundu como forma de preservar a tradição, e ao mesmo tempo uma forma de trubuto à própria língua..."

Sofia Rosa


As gravações de Sofia Rosa, iniciadas em 1970 com o selo da Valentim de Carvalho, foram acompanhadas pelos conjuntos “Os Corvos”, “Os Astros” e “Ngoma jazz”. Parte substancial da obra de Sofia Rosa foi reeditada  no CD “Memórias”, em 2006, uma edição do programa “Poeira no Quintal”, da Rádio Nacional de Angola, e reúne as canções: “Ngala Ny Gienda”, “Ngolo Binga Kuá Nzambi”,“Maria diá Pambala”, ”Ngala Ny Nela Ya Xiquelela”,”Issuma”, “Kamba Uaia”, acompanhadas pelo conjunto “Os Corvos”, “Muku tunda”, e “Longo longo logiami”,  com o Ngoma Jazz. Por último as gravações de “Kalumba”, “Nguexile Mutunda Mu Sambila”, “Kumulundo”, “Imbua iolo Boza”, “Makuanhadi ya mivu”, e “Manhinga mami”, tiveram “Os Astros”, como suporte de acompanhamento. As canções de Sofia Rosa abordam, fundamentalmente, a beleza da mulher, saudade, petição a Deus, criminalidade, e conflitualidades sociais do quotidiano dos musseques.
Filho de Elísio Sofia Rosa e de Marquinha Rosa, Fernando Sofia Rosa  nasceu no Ambriz, província do Bengo, e viveu no Bairro da Samba, em Luanda. Em 1963, integrou o agrupamento Teatral Ngongo, fundado por José de Oliveira Fontes Pereira. No âmago da sua carreira, Sofia Rosa participou numa digressão a Portugal, tendo gravado um programa para a televisão.

Homenagem


Sofia Rosa foi homenageado, a título póstumo, em Maio de 2006, no Centro Recreativo e Cultural Kilamba, pela importância do conjunto da sua obra,  no âmbito da quadragésima nona edição do Caldo do Poeira. Na ocasião, os cantores Jorge Rosa, Mamukueno, Nito Nunes, Zecax, Pakito, Zé Manico , Dom Caetano, Filomena Gegé e o grupo tradicional Semba Muxima,  interpretaram os principais sucessos de Sofia Rosa, acompanhados pelo conjunto “Kimambas do Ritmo”.
Sofia Rosa morreu, em 1975, na cidade do Lobito, em  consequência da guerra entre os movimentos de libertação, havendo várias versões sobre as verdadeiras causas da sua morte.

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